26 de junho de 2020
Postado por: Alexandre
A Epagri continua atenta ao deslocamento da nuvem de gafanhotos pelo território argentino, mesmo com a possibilidade remota de a praga chegar a Santa Catarina. As condições meteorológicas climáticas previstas para o estado indicam a chegada de uma frente fria acompanhada de queda de temperatura, o que não favoreceria a chegada dos insetos ao território catarinense. Ainda assim, pesquisadores da Epagri aprofundam estudos para conhecer melhor esse fenômeno natural.
Leandro Delalibera Geremias, entomólogo da Estação Experimental da Epagri em Ituporanga, conta que desde a década de 1950 tem sido observada uma diminuição da incidência desta praga na Argentina. No Brasil, foram registrados surtos de gafanhotos de outras espécies em diferentes regiões até o início de 1990, contudo na maioria das vezes de forma esporádica e sem atingir Santa Catarina. A partir de 2015, pequenas infestações foram observadas no território argentino. Neste momento a equipe de entomologistas da Epagri busca informações junto a estudiosos do Brasil e do exterior.
Ao mesmo tempo em que aprofunda conhecimentos sobre a praga, a Epagri acompanha o deslocamento da nuvem na Argentina. Kleber Trabaquini, pesquisador do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Epagri/Ciram), diz que a evolução da praga no país vizinho vem sendo registrada pelo Serviço Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria (Senasa), órgão ligado ao governo federal. É a partir dessa instituição que as autoridades catarinenses se atualizam sobre o tema.
O Senasa criou um banco de dados que está sendo alimentado por avistamentos in loco, ou seja, a pessoa informa ao órgão onde viu a nuvem e aquela informação é inserida em um mapa com as coordenadas geográficas. Isso tem sido feito desde 1º de maio, quando se iniciaram os registros. A velocidade média de deslocamento da nuvem é de 100 quilômetros por dia, mas isso pode variar, influenciado principalmente pelo vento.
Segundo o pesquisador da Epagri/Ciram, tecnologias de mapeamento remoto, como radares e imagens de satélite, por exemplo, ainda não conseguiram superar a eficácia dos informes por avistamentos. Em seu estudo, descobriu que em Las Vegas, nos Estados Unidos, uma nuvem de gafanhotos já foi registrada por radar. Na Europa há registro da praga por imagem de satélite. “Mas isso depende muito da densidade da nuvem”, descreve Kleber, destacando que esse tipo de registro ainda não foi possível na Argentina.
Os pesquisadores da Epagri conseguiram demonstrar, de forma simulada, a trajetória que os gafanhotos da espécie Schistocerca cancellata poderão percorrer durante os próximos três dias. Os gafanhotos estão agrupados em nuvem no território da Argentina e, de acordo com os cálculos dos profissionais da Epagri, devem seguir para o Uruguai nos próximos dias.
Para prever a trajetória dos insetos os pesquisadores utilizam o modelo Noaa Hysplit, que leva em consideração variáveis comportamentais do inseto e medidas climáticas da região. Em relação ao inseto, os parâmetros de entrada utilizados foram relacionados ao seu comportamento de voo, como altitude que pode atingir e horário em que o inseto usualmente decola e pousa. Já as variáveis ambientais utilizadas levaram em consideração as coordenadas geográficas iniciais da população, neste caso a localização de Corrientes, na Argentina. O modelo climático Global Forecast System (GFS) também foi utilizado, baseando-se em variáveis de pressão atmosférica, direção e velocidade do vento, com uma precisão de 25 quilômetros.
No mapa desenvolvido pelos profissionais da Epagri fica evidente que a nuvem de insetos, que se encontra na federação Argentina, na província de Corrientes, possui uma tendência de adentrar ao território uruguaio nos próximos dias. Dependendo da altura de voo do inseto, que pode variar entre 50, 100 ou 200 metros do nível do solo nas condições climáticas deste período do ano, a nuvem poderá alcançar 250 km (traçado verde), 300 km (traçado amarelo) ou 450 km (traçado vermelho), respectivamente.
Na simulação de um voo de 50 e 100 metros acima do nível do solo, mais comum para estes insetos, os resultados demonstram que eles poderão chegar até o Departamento de Rivera, localizada no Norte do Uruguai, em até três dias. Já na simulação realizada com 200 metros acima do nível do solo, os insetos podem atingir o Departamento de Cerro Largo, Nordeste do Uruguai.
Os pesquisadores da Epagri lembram que o modelo climático GFS é atualizado diariamente, o que pode modificar os resultados da simulação. Assim, os estudiosos destacam que simulações diárias são essenciais para a precisão dos resultados e previsão da trajetória do inseto.
Gafanhotos é o nome popular de um grupo de insetos que pertencem à ordem Orthoptera, que incluem também grilos, esperanças e paquinhas. Esta ordem possui mais de 30 mil espécies conhecidas, explica o entomólogo Leandro Delalibera Geremias. A espécie que está na Argentina, de nome científico Schistocerca cancellata, normalmente apresenta hábito solitário, mas, sob algumas condições favoráveis, pode adotar o hábito migratório, agregando-se e formando “nuvens”.
Embora não sejam conclusivos, alguns estudos indicam que, quando a espécie encontra condições de clima e de alimentação favoráveis ao seu desenvolvimento, pode gerar até três gerações em um ano, uma a mais do que aconteceria normalmente.
“Com o aumento generalizado do número de indivíduos, há a necessidade de buscar novos nichos ecológicos para alimentação e daí acontece a nuvem migratória”, explica o entomólogo. Trata-se de uma praga que pode se alimentar de cerca de 400 diferentes espécies vegetais, tanto as cultivadas pelo homem, especialmente gramíneas, como espécies vegetais silvestres, onde também pode se abrigar.
O Schistocerca cancellata tem ocorrência descrita naturalmente no Brasil e inclusive em Santa Catarina. Entretanto, é no Noroeste da Argentina que este inseto encontra as condições ideais para a sua proliferação. Segundo Geremias, o primeiro relato de uma nuvem de gafanhotos na Argentina ocorreu no ano de 1538, causando prejuízos principalmente na cultura de mandioca. “Não é um fenômeno novo, é cíclico, com um intervalo de ocorrência muito distante”, descreve o pesquisador da Epagri.
Ele diz que a recomendação da Epagri no momento é a vigilância constante e busca de conhecimento para evitar pânico desnecessário. No caso de avistamento da praga, é importante que a pessoa avise imediatamente as autoridades agrícolas locais, podendo ser um escritório da Epagri, da Cidasc ou a Secretaria municipal de Agricultura.
Informações e entrevistas
Sobre o inseto: Leandro Delalibera Geremias, entomologista da Estação Experimental da Epagri em Ituporanga, pelo fone (47) 98858-2834
Sobre o monitoramento: Kleber Trabaquini, pesquisador da Epagri/Ciram, pelo fone (48) 99868-7600