22 de janeiro de 2018
Postado por: Alexandre
Nas últimas duas semanas, algumas cidades catarinenses registraram altos volumes de chuva e sofreram os impactos de deslizamentos e inundações. Desde o início do ano, por exemplo, foram registrados 572 milímetros de chuva em Florianópolis e 378 em Joinville. Apesar de apresentar quantidade bem acima da média do período, as chuvas fortes e constantes no verão e primavera não são novidade no Estado. A explicação está principalmente na posição geográfica. No entanto, o relevo, distribuição de bacias e rios em SC, além da ocupação desordenada, impulsionam impactos da chuva.
A meteorologista da Epagri/Ciram, Laura Rodrigues, lembra que Santa Catarina está em uma região de latitudes médias, posição geográfica favorável à passagem de sistemas de chuva durante todo o ano. Com frentes frias constantes, a região Sul também está no caminho do fluxo de umidade que vem da Amazônia. Esse sistema é o responsável pelas chuvas mais persistentes que se intensificam entre primavera e verão no Estado. Basicamente, nesta época do ano é o período de mais umidade e calor naquela região.
Os ventos trazem umidade, costeando a barreira criada pela Cordilheira dos Andes, até a região do Norte da Argentina e Paraguai. Ali, um sistema, chamado de baixa pressão, empurra parte dessa massa em direção ao Sul do país, formando áreas de instabilidade:
– Esse “transporte” vindo lá da região amazônica é a causa daqueles eventos de precipitação mais duradoura, de dois a três dias – destaca o doutor em meteorologia Dirceu Severo.
Outros fatores também estão diretamente relacionados a essa maior quantidade de chuva. No Litoral, no verão a água do oceano aquece com as altas temperaturas, evapora e forma mais nuvens. O professor responsável pelo laboratório de Climatologia da Univali, Sergey Alex de Araujo, explica que esse processo resulta no que se chama chuva de verão, que é mais intensa e passageira. Araujo acrescenta ainda que o relevo também impacta neste cenário, já que a serra próxima ao litoral, uma característica de SC, cria uma barreira à umidade, que fica concentrada nesta região.
– Digamos que toda essa umidade fica presa aqui no Litoral, o que também pode ocasionar essas pancadas mal distribuídas. Em Joinville é comum a ocorrência dessas chuvas orográficas – as causadas pelo relevo.
O professor de Climatologia da Univille Paulo Ivo Koehntopp explica que a Serra do Mar está muito próxima da cidade. Diante disso, quando os ventos vêm do oceano carregados de umidade, ao tentar passar pela serra, encontram temperaturas mais baixas nas altitudes.
Por fim, a umidade se condensa e se transforma em chuva.Outros fatores que explicam a grande quantidade de chuva em SC são os fenômenos como o La Niña, que também impacta nos volumes de chuva acima da média ao longo dos meses do verão, principalmente nas regiões de Grande Florianópolis, Vale do Itajaí e Norte.
Apesar dessas regiões apresentarem os maiores acumulados no verão, o Oeste que tem mais chuva principalmente em outubro, enquanto a região Sul é o local com menos chuva no Estado, destaca a meteorologista Laura.
Bacias e rios impulsionam inundações
Além da quantidade de chuva elevada no verão e na primavera, outros fatores estão diretamente relacionados aos alagamentos, parte da história e rotina de muitos catarinenses. Um dos principais é a distribuição de rios e bacias hidrográficas. É um dos motivos que fazem Blumenau sofrer com constantes enchentes há tanto tempo – o maior pico foi registrado em 1880. Porém a inundação com maiores impactos foi a de 2008, quando 135 pessoas morreram na região.
O engenheiro hidrólogo da Furb Ademar Cordeiro lembra que o rio Itajaí-Açu circunda Blumenau e faz parte da Bacia Hidrográfica do Itajaí, maior bacia do Estado – engloba 16% do território catarinense. Essa bacia funciona como uma coletora da água, então recebe todo o acúmulo de chuva da região. A baixa declividade do rio, especialmente em Blumenau, causa inundação de ruas locais.
A diferença entre enchente e enxurrada
Cordeiro diferencia essas enchentes do que chama de enxurrada – o que foi registrado nas últimas semanas. É que a água acumulou principalmente nos vários ribeirões espalhados pela cidade, como Fortaleza, Garcia e Itoupava, atingindo áreas mais baixas da cidade.
Apesar de terem influências de outros rios, cidades como Brusque e Itajaí também são impactadas pela Bacia do Itajaí. Em Rio do Sul, por exemplo, no Alto Vale, os rios Itajaí do Oeste e do Sul se encontram na área central, construída praticamente dentro da água. Joinville também sofre com inundações em função das cheias dos rios, mas com agravante: o nível das marés.
O professor de Climatologia Paulo Ivo Koehntopp explica que a cidade é cruzada por uma rede hidrográfica intensa, e está praticamente no nível do mar. Assim, está sujeita aos picos das marés, que ocorrem duas vezes por dia.
— Quando a maré está cheia e chove com intensidade, os rios não conseguem desaguar o seu volume de água para a Baía da Babitonga. A maré age como se fosse uma barreira na foz do rio — explica.
A principal bacia da região é a do rio Cachoeira, que abrange quase toda a área urbana do município. Neste rio, a variação máxima da maré chega a 1,85 metros, diz o professor de Climatologia.
A influência do relevo
O relevo também potencializa os impactos das fortes chuvas. O doutor em Ecologia e Recursos Naturais e professor da Univali Marcus Polette explica que muitas cidades costeiras estão em cima de planícies litorâneas. Como são formações geológicas recentes, nestas áreas o lençol freático se localiza mais perto da superfície.
— Quando chove esse lençol sobe muito rápido, inundando tudo. As cidades também estão todas impermeabilizadas, não há drenagem suficiente.Esta impermeabilização do solo se relaciona à urbanização. Com construções e asfalto, falta área para absorver a água.
O geógrafo e professor da UFSC Daniel Parizoto acrescenta que SC também tem relevos acidentados e que a área de baixa é plana, formando regiões de inundação:
— No sul da Ilha, por exemplo, há muitas áreas propensas à inundação, pois são bacias de deposição de sedimento, ocupadas antes por rio ou maré e que agora inundam com chuva.
Já na região Oeste, segundo o coordenador Regional de Defesa Civil em Chapecó, Clair Bazi, as ocorrências são mais pontuais, como enxurradas. Ele acredita que o escoamento rápido se dá pelo relevo e o solo, que absorvem mais a água. Além disso, a presença de mais áreas verdes também auxilia na drenagem.
Além das questões geográficas, a interferência do homem também está relacionada às inundações frequentes. A ocupação de áreas irregulares, como encostas de morros e beira de rios, e o lixo nas ruas são algumas das ações que têm relação direta com as inundações.
Janete Abreu, professora no Departamento de Geociências da UFSC, acrescenta ainda o assoreamento das calhas dos rios, entulhos jogados nos canais de drenagem e aterros nas planícies de inundação como outros agravantes dos alagamentos constantes no Estado.