Estaleiros buscam novos negócios para depender menos da Petrobras

5 de janeiro de 2018
Postado por: Alexandre

Os estaleiros nacionais começam 2018 com a perspectiva de que ainda será um ano difícil, mas ao mesmo tempo crucial para retomar a carteira de encomendas

Foto: Divulgação / ValeSC

Em crise há pelo menos dois anos, com empresas pedindo proteção à justiça contra credores desde 2016, os estaleiros ligados à indústria de petróleo e gás buscam saídas para retomar o crescimento. Miram outras atividades, para atuar como portos e terminais de combustíveis, por exemplo. E tentam desenvolver novos clientes para reduzir a dependência da Petrobras, o cliente único dessa indústria.

Apesar dos esforços de recuperação, o futuro dos estaleiros é incerto mesmo depois de terem investido cerca de R$ 20 bilhões desde 2007, em grande parte com recursos públicos, para construir e expandir unidades de produção de navios e de plataformas de norte a sul do país, segundo estimativas do Sinaval, a entidade que representa as companhias do setor. Boa parte dos investimentos foi financiada com dinheiro do Fundo da Marinha Mercante (FMM), fonte de longo prazo para o setor, e repassada via bancos federais, sobretudo BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

O Sinaval tem manifestado que, em última análise, existiria risco de os bancos públicos terem de assumir prejuízos dos estaleiros. Mas nos financiamentos, esses bancos costumam exigir garantias reais dos controladores dos estaleiros, muitos dos quais são empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. Mas em alguns casos a lista de credores dos grandes estaleiros vai além dos bancos públicos, e envolve fornecedores de serviços e outros bancos, além de operadores de petróleo. A Engevix Construções Oceânicas (Ecovix), por exemplo, com instalações em Rio Grande (RS), protocolou recuperação judicial no fim de 2016 para tentar renegociar dívidas de R$ 8 bilhões, metade dela com a Tupi BV, da qual são sócias Petrobras Netherlands BV, Shell e Galp-Sinopec. A Ecovix acusa a Petrobras, na condição de sócia da Tupi BV, de descumprir um acordo de término de contratos de construção de cascos de plataformas acertado entre as partes, o que a estatal nega. A Ecovix tomou emprestado da ordem de R$ 600 milhões no FMM, via Caixa e Banco do Brasil, dívida essa que será contemplada no plano de recuperação judicial da companhia.

Empresas do setor investiram R$ 20 bilhões desde 2007, com recursos do BNDES, Banco do Brasil e Caixa

Em outra frente, a Transpetro, subsidiária da Petrobras, também cancelou contratos com o EISA Petro-Um, sociedade de propósito específico que opera nas instalações do Estaleiro Mauá (RJ), do Synergy Shipyard, do empresário German Efromovich. O cancelamento abriu litígio judicial entre as empresas. Nos dois casos (da Ecovix e do Eisa-Petro Um), há encomendas em estágio avançado de obras cujo destino é incerto. O casco da plataforma P-71, inacabada na Ecovix, pode virar sucata, e três navios do Eisa Petro-Um, dois dos quais quase prontos, estão parados no Estaleiro Mauá (RJ).

É nesse cenário conturbado que os estaleiros buscam saídas para seguir operando. “2018 será um ano para tentar construir carteira para os estaleiros”, diz Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval. Esse é um tema que se relaciona diretamente com a discussão sobre conteúdo nacional na indústria de petróleo e gás, debate que vai continuar em 2018. Em dezembro, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) propôs aumento de 25% para 40% na exigência de conteúdo local para a construção de plataformas, percentual válido para unidades a serem instaladas em áreas leiloadas entre 2005 e 2015. Mas na visão do Sinaval o percentual poderá ser atingido sem construir os cascos das plataformas nos estaleiros nacionais, o que é fundamental para garantir a operação das empresas e os empregos. No auge do setor, em 2014, os estaleiros chegaram a empregar 82 mil pessoas, número que hoje é de cerca de 28 mil, nas contas do Sinaval.

Os compromissos de conteúdo local para plataformas foram divididos em três segmentos: a) engenharia, b) máquinas e equipamentos e c) construção, integração e montagem, cada um deles com exigência de 40%. A proposta ainda precisará do aval do Conselho Nacional de Política de Energética (CNPE). Mas o Sinaval entende que para garantir demanda aos estaleiros seria preciso criar um quarto segmento, para os cascos das plataformas, também com 40% de conteúdo local. Sem isso, a demanda pode ficar restrita à construção e integração de módulos para as plataformas, disse Bacci. “A proposta como está não garante a construção de casco no Brasil.”

Fernando Barbosa, presidente do estaleiro Enseada Indústria Naval, acredita que será possível chegar a um entendimento em torno do conteúdo local que atenda a todos os agentes envolvidos na discussão (governo, petroleiras, fornecedores e estaleiros). Em novembro, o Enseada, cujos sócios são Odebrecht, OAS e a japonesa Kawasaki, conseguiu homologar na Justiça do Rio um plano de recuperação extrajudicial – que foi protocolado em janeiro de 2017 -, reestruturando dívida de R$ 1,3 bilhão com fornecedores e bancos. Dona do estaleiro homônimo em Maragogipe, no Recôncavo baiano, o Enseada tem planos de desenvolver novos negócios, incluindo operações portuárias e também tenta viabilizar a operação como terminal de combustível.

O Enseada entrou em dificuldades depois da derrocada da Sete Brasil, seu único cliente, que pediu recuperação judicial em 2016. Assim como o Enseada, outros estaleiros também enfrentaram dificuldades a partir dos problemas da Sete, que tinha planos de construir 28 sondas de perfuração no país, projeto que terminou naufragando por falta de financiamentos. A empresa contava com apoio financeiro do BNDES, o que não ocorreu depois que se tornou público, em delação premiada, que houve acerto de propina de 1% nos contratos entre a Sete Brasil e os estaleiros para a construção de sondas. Até hoje há discussões entre estaleiros e Sete Brasil.

O Estaleiro Atlântico Sul (EAS), que também chegou a ter contratos com a Sete Brasil e hoje trabalha na entrega de navios para Transpetro, é outro grande estaleiro a buscar alternativas. “Para 2018, o foco principal é a conquista de novas encomendas”, disse o EAS, que tem como sócios Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. A Transpetro informou que até 2019 receberá cinco navios tipo Aframax do EAS e um navio gaseiro do Vard-Promar. Os dois estaleiros ficam em Pernambuco. O EAS recebeu “prioridade” de R$ 400 milhões do FMM para construir dois navios graneleiros para cliente cujo nome é mantido em sigilo. O EAS vinha tentando viabilizar outros contratos de navios com a Petrobras, mas não conseguiu.

Em nota, o EAS afirmou que, embora o plano de investimentos da Petrobras estime R$ 74,5 bilhões em investimentos até 2022, “não há qualquer menção à construção de navios no Brasil”. A construção naval no Brasil foi sempre dependente da demanda do Estado, e passou por ciclos. Desde a criação dos primeiros estaleiros no país, no governo de Juscelino Kubitschek, nos anos 1950, a indústria enfrentou altos e baixos. Houve forte demanda nos anos 1970, seguida de crises e nova retomada, nos anos 2000. Depois de outra crise, a indústria tenta se reerguer.

Fonte: Valor

Categoria: Geral
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